PROJETO MARAVILHA - CARLOS VERGARA

Ao longo de mais de seis décadas, Carlos Vergara tem interpretado o mundo em que vivemos com postura ética e veia poética que o posicionam entre os mais significativos artistas brasileiros contemporâneos – sua trajetória começa ainda nos meados de 1960 e mantém seu vigor até hoje. Desde os anos 1970, sua prática tem sido marcada por um profundo respeito e interesse pelas diferentes formas de vida — uma visão crítica que desafia o olhar apressado e uma mirada poética às formas que nos rodeiam. Vergara dialoga com a natureza e com diferentes grupos sociais, construindo uma obra que transita entre o bidimensional e o tridimensional, explorando a matéria com a mesma densidade que aplica às ideias. Sua pesquisa com a escultura inicia-se com o papelão e, ainda nos seus primeiros anos como artista, revela um interesse que excede o material. Suas esculturas revelam a capacidade do artista de não apenas investigar o volume, mas seu desejo genuíno de instaurar um lugar: criar um espaço que é simultaneamente físico e simbólico — que agora pode ser percebido num dos mais extraordinários relevos do mundo, o Pão de Açúcar.

Na série Natureza Inventada, Vergara encontra nas formas vivas uma fonte inesgotável de abstração. Ao realojar e reorganizar essas formas, ele não apenas representa a natureza, mas também a recria, propondo uma nova percepção do espaço natural. As investigações que realizou no Cacique de Ramos, nos anos 1970, além de uma atenção às formas alternativas de organização social, foram indício de uma ética que perpassa toda a sua obra, em que a arte é um meio para se engajar com o mundo de modo consciente, responsável e que, frequentemente, revela os limites da compreensão racional. Um cuidado com a experiência, um “olhar para fora” que apostam em combinar a criação do artista à experiência do espectador. Vergara nos convida a olhar além do óbvio, a perceber as sutilezas da vida natural: sem que passem despercebidas, tais formas atuam como agentes de ampliação de nossa consciência sobre tudo aquilo que pulsa e vive. A abstração em Vergara não é um mero exercício formal; é uma investigação profunda sobre a essência do que nos cerca, sobre as forças invisíveis que moldam o mundo natural e que, em última análise, são essenciais para a nossa compreensão do lugar que ocupamos nele.

O Projeto Maravilha busca repercutir tal ética tomando inspiração na poética que permeia o trabalho de Carlos Vergara. Nome incontornável da arte brasileira, o artista convoca um olhar sensível: ultrapassar a escultura, atribuir sentido ao fora, ao exterior, ao mundo natural. Quiçá, por meio da arte, propor alternativas ao individualismo do mundo contemporâneo, reajustando sensibilidades, na direção de uma consciência expandida, em direção de tudo aquilo que é vivo.

Situado em uma reserva de Mata Atlântica, o projeto instaura um espaço onde arte e natureza, manifestamente, convergem em um diálogo contínuo, ao ar livre. No generoso espaço entre os parênteses, que vislumbram o exorbitante relevo carioca, o artista opera nas fronteiras artificiais que a modernidade criou entre natureza e cultura desorganizando a rígida separação entre o que é construído e o que é natural, propondo tempos em que a arte, à revelia da ordem do dia, insiste em se tornar um catalisador de mudança, dinamitando antigas noções e abrindo espaço para novas possibilidades de coexistência interespécies. Assim, com farta dose de utopia e o peso da realidade, de um mundo em urgência ecológica e climática, as obras de arte ampliam nossa consciência planetária, inspirando uma interdependência mais profunda e uma solidariedade que transcende as divisões impostas pela sociedade, reintegrando o humano ao tecido vivo da Terra — apenas por um instante, tão eterno quanto fugaz.


Ulisses Carrilho

Curador

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